domingo, 27 de fevereiro de 2011

O logocrata Pacheco Pereira

Pacheco Pereira escreveu ontem um artigo no Público sobre os livros que leu e os que outros lêem. Diz que ninguém consegue ler mais de 6000-7000 livros numa vida e à sua conta já leva cerca de 3500. Contas por alto, conta ainda ler para aí mais uns 500...
Quando comecei a ler o artigo, deparei logo com um velho complexo: com os que afirmam serem grandes leitores sem o serem. Portanto, com os leitores imaginários e que afirmam a sua capacidade de leitura estonteante de obras dificeis e apenas para impressionar parolos.
Pacheco Pereira afirma que em jovem lia "quase um livro por dia". Deve ter sido no tempo das leituras de esquerda extremada. Adiante. O elenco dos autores lidos também se torna interessante: colecção Argonauta, literatura americana, poesia europeia ( alemã) traduzida por Quintela, Thomas Mann.
Actualmente, anda na senda da leitura de guerra, espionagem e teologia. Bom proveito lhe faça.
Com este artigo lembrei-me também de dois livros que ando a ler às pinguinhas. Ficam aqui em baixo em imagem. Um deles, de um judeu, George Steiner, um erudito que cita Walter Benjamim, num livro de entrevistas bem recheado de informação e ideias livrescas. Um livro que nos conduz num percurso intelectual através de citações e alusões a outros livros e autores e que frequentemente coloca a dúvida sobre a real utilidade da leitura, com questões pertinentes apresentadas ao longo dos séculos por autores de livros, sobre o valor da leitura ou da escrita.  Steiner é um dubitativo e um tolerante que dá bom nome aos judeus.

O outro livro colado ao primeiro é relativamente recente e de um francês, sobre os livros que não se lêem e que apesar disso se pode falar deles e sobre eles como se se tivessem lido. Há muitos assim, o que  reconduz o leitor a uma tranquila esperança: há muitos livros que são inúteis e outros tantos cuja leitura é escusada para se saber o que contêm.
Poucos terão lido o Capital de Marx. Muitos, porém, falam do livro como se o tivessem lido. E provavelmente leram, sem  o ler...tal como conclui Bayard. E cita o caso particular de um livro inexistente, citado no romance O Nome da Rosa, de Umberto Eco. O livro é o segundo volume da Poética de Aristóteles, desconhecido nas bibliografias e no qual o filósofo grego aborda o tema do riso. O guardião da biblioteca desse livro proibido é...um cego. E o frade que descobre esse livro como móbil de vários crimes não o consegue ler. E no entanto, ambos sabem muito bem de que trata o livro, as implicações que comporta e as consequências para a intelectualidade da Idade Média e dos tempos vindouros.
Em suma, um tema fascinante que pouco tem a ver com a essência do escrito de Pacheco Pereira, mais concentrado na rasteirice das estatísticas da leitura para inglês ver.




2 comentários:

  1. Logocrata? Que é isso?
    Há quem leia panfletos e diga que são livros. Outros lêem umas coisitas com páginas e capa e também dizem que são livros.
    Eu hoje ciente da minha muito provável mortalidade, tento escolher tudo bem, do que leio ao que vejo. Para não me arrepender nunca. Por isso vejo praticamente nenhuma televisão. Só tenho uma em casa para quatro pessoas e sobra.
    Mas sobre estatísticas... do Céline "De Três Em Pipa" leio numa noite, mas se for a viagem ao fim da dita, do mesmo autor, demoro no mínimo uma semana. Como o "De Três Em Pipa", podia ler 20.000 e divertia-me no processo...
    Estou a ler "Rocket Surgery Made Easy..." (usabilidade na internet) e "Introducing HTML 5", porque quero aprender. Nem conto como livros. São manuais.
    Enfim, as estatísticas não valem nada neste caso. -- JRF

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  2. Uma coisa que acho angustiante e não sei se sente isso, é com a quantidade de matéria disponível em todas as áreas. Temos pela primeira vez que se saiba, séculos de livros disponíveis, cinco pelo menos (fora o resto); a música uns três (fora o resto); o filme desde que existe pouco se perdeu... a internet torna essa imensidão evidente. E no entanto, somos só um. Acho difícil lidar com isso. -- JRF

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