domingo, 20 de fevereiro de 2011

Uma entrevista desportiva

Entrevista de Pinto Monteiro, PGR, ao Diário de Notícias de hoje, conduzida pelo jornalista desportivo e director do jornal, João Marcelino.
Na entrevista nada avulta que a justifique. É mais uma do actual PGR, estendida por cinco páginas de perguntas inconsequentes e respostas a condizer.
Por isso merecem comentário duas ou três frases com contexto perceptível. 
Uma delas, com destaque na primeira página é esta  "Lamento que os políticos continuem a tentar resolver as questões políticas através de processos judiciais" .
Conviria ao jornalista entrevistador, neste momento, lembrar-se de uma frase de um político no defeso, Freitas do Amaral, num artigo na Visão , já com uns meses: " O PGR tem razão ao dizer que neste momento o caso das escutas no processo Face Oculta é meramente politico. Mas só o é, porém, porque o PGR optou por uma interpretação muito restritiva do conceito 'atentado ao Estado de Direito'. Até ele o fazer, o caso era meramente jurídico" .
Portanto, aquela afirmação sobre o carácter político dos processos, não sendo inédita nem inesperada do actual PGR coloca várias questões delicadas. Uma delas é a noção que o actual PGR tem do que significa um "processo judicial", como começa, porque começa e que contornos deve assumir. 
Pinto Monteiro, no contexto da frase, esclarece que "nunca ninguém do poder político falou comigo, nunca ninguém do poder político tentou interferir em qualquer processo". Isto pura e simplesmente não é verdade completa e acabada, por um motivo que se explica já:
Sempre que num qualquer processo aparecem políticos de topo e com assento no governo ou perto dele, aparecem nos media, imediatamente, os apaniguados do costume. Dou o nome de um deles, suposto amigo pessoal do actual PGR: Proença de Carvalho. Que faz este autêntico maquiavel inoxidável sempre que o poder político está em risco de sair chamuscado nos tais processos judiciais? Pura e simplesmente deslegitima a intervenção de magistrados nesse processo. Aconteceu isso com todos, mas mesmo todos os processos em que tal risco sucedeu: Casa Pia, Freeport e Face Oculta, para não recuar ao tempo do processo dos hemofílicos e centralizar o problema no sítio onde ele reside: no bloco central dos interesses políticos e não só.
Proença de Carvalho, a propósito deste último processo Face Oculta já se pronunciou largamente nos media, incluindo comentários acerbos e indignos de advogado, como por exemplo o de que «basta ler a lei para perceber que na verdade, nenhum escuta em que intervenha o primeiro-ministro, ou o Presidente da República ou o da Assembleia da República, que fosse podia subsistir sem que fosse imediatamente apresentada ao presidente do Supremo [Tribunal de Justiça] para que a autorizasse ou a mandasse destruir, e é como não se passasse nada», 
Ora nem basta ler a lei para tal afirmação ( Costa Andrade escreveu já que é um disparate jurídico tal interpretação) nem a um advogado que intervém indirectamente no processo ( Godinho de Matos é do mesmo escritório) é admissível que comente nesses termos o que se passa nesse processo. 
Mais: Proença, como se julga o intérprete máximo de tal matéria, esportula numa entrevista ao i, frases como esta que constituem um aviltamento inenarrável e gravíssimo dos magistrados que dirigiram o Face Oculta:

"A ideia do crime do atentado contra o Estado de Direito é uma ideia patética e ridícula. Só quem nunca tenha lido o tipo legal de crime é que se pode permitir um raciocínio destes."Quantos despachos de decisões de juízes temos visto asnáticas, patéticas, contra o direito? A credibilidade desse senhor juiz, para um jurista, começa a questionar-se a partir do momento em que ele viola reiteradamente a lei."

Quanto a esta matéria, Pinto Monteiro, PGR, tendo em conta as suas declarações actuais, nesta entrevista, está em sintonia com aquela interpretação fantástica da lei substantiva e processual penal. Na altura em que foram proferidas aquelas afirmações gravíssimas para a honra pessoal e profissional de magistrados, incluindo do MºPº, Pinto Monteiro como dirigente máximo do MºPº calou-se e nada disse. Deixou que o insulto soez ficasse na praça pública. E o que é certo também é que nenhum magistrado do Supremo ou das Relações veio publicamente desagravar esta ignomínia, mais uma, de tal jurista politicamente comprometido com este primeiro-ministro, como esteve antes com outros e porventura estará com o próximo.

Mas não ficam por aqui as  semelhanças de entendimento. Na mesma entrevista ao i, o que diz Proença sobre o plano do primeiro-ministro para se assenhorear de alguns media, como ficou consistentemente indiciado em debates públicos como o inquérito parlamentar que ocorreu na sede da democracia representativa, disse isto quando confrontado com as evidências da actuação manhosa ( e criminosa para os magistrados de Aveiro, do PM):
"Não, porque consideraria um plano desse tipo tão estúpido, tão absurdo e tão irrealizável que nem sequer me passa pela cabeça. "
É esta a mesma posição que Pinto Monteiro tem sobre o mesmo assunto ao dizer nesta entrevista que nunca encontrou nada de relevante nas escutas que ouviu do processo e em que intervinha o P.M. "Concluí que aquilo não tinha relevância jurídica", disse. 
O jornalista desportivo não lhe perguntou como, quando e onde  o PGR concluiu tal coisa, porque o direito processual penal para um comentador de futebol é algo abstruso e para os conselhos de justiça debulhar.

Mas poderia ao menos, num vislumbre de bestunto, reparar numa contradição: o PGR disse claramente e já o tinha dito que ouviu as escutas em que interveio o primeiro-ministro. Precisamente porque as ouviu é que disse que nada tinham de relevante... e no mesmo passo da entrevista diz isto extraordinário para um jurista de mérito: ""entendi que era expressamente proibido, na minha opinião de jurista, ouvir o primeiro-ministro sem autorização- é o que está na lei- do presidente do Supremo. Enviei ao presidente do Supremo, e o presidente do Supremo mandou destruí-las, não fui eu, não tinha poderes para isso."

Fantástico! O PGR ouviu primeiro as escutas que não estava autorizado a ouvir. Despachou num expediente administrativo, segundo já declarou anteriormente, para que o presidente do Supremo mandasse destruir as escutas que ouviu e que achava que nada tinham de relevante...e o presidente do Supremo num primeiro despacho, aceitou esse expediente administrativo, despachou nele e foi assim. É isto o Direito em Portugal e não merece comentários elaborados porque escusados para quem tem um mínimo de formação jurídica.

Como o comentário já vai longo, fica para uma segunda parte o resto.

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