quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O jogo jurídico nos tribunais ou o direito como aldrabice secante

Segundo o Público de hoje, o tribunal Constitucional decidiu recentemente considerar inconstitucional uma interpretação da lei sobre pensão de alimentos a menores, fixada como jurisprudência definitiva pelo STJ, 2009.

O caso explica-se muito brevemente: uma das obrigações que impende sobre os pais em relação aos filhos é, naturalmente, alimentá-los. Será porventura a mais básica, essencial, ancestral e natural. Até os animais o fazem sem precisarem de leis para tal.
Acontece que muitos pais, por circunstâncias diversas, decorrentes na maioria das vezes de situações de ruptura conjugal, deixam de cumprir essa obrigação que impende sobre ambos em pleno plano de igualdade de deveres.

O que normalmente acontece em Portugal, depois dessas rupturas que conduzem frequentemente ao divórcio, é a assunção, pelas mães, das obrigações de guarda dos filhos, ficando os pais obrigados ao dever de prestar alimentos aos menos, traduzidos numa pensão geralmente mensal e de montante variável, conforme os princípios do comunismo: a cada um dos filhos, segundo a sua necessidade e de cada um dos pais, segundo as suas possibilidades.

Muitas vezes a fixação do quantum monetário mensal, a prestar pelos pais é alvo de desacordo que desagua no triubunal cível e por vezes criminal ( a lei pune criminalmente quem estando obrigado e em condições de cumprir, não o faz sem justificação plausível).
As questõs que surgem no âmbito dessas acções cíveis de regulação de responsabilidades dos pais ( dantes eram paternais, agora, há um par de anos a esta parte,  são parentais, porque é mais democrático, laico e republicano) são várias e contendem com possibilidades de cada um deles que são alvo de discussão jurídica e entendimentos diversos, como acontece frequentemente no Direito.
Porém, sempre que um dos pais obrigados a prestar alimentos deixa de o fazer, o outro pode accionar judicialmente por esse incumprimento através da acção própria que geralmente coloca outra vez em cima da mesa dos magistrados do tribunal a questão da guarda, das visitas e dos alimentos porque tal se mostra mais adequado.

É nessa altura que surge o problema jurídico: desde quando se constituiu a obrigação de prestar alimentos? Desde o efectivo incumprimento ou apenas desde a entrada da acção em juízo com a devida relcamação das importâncias em falta e em atraso?
E surge ainda outro problema: o MºPº por força das suas atribuições tem o dever estrito de lidar com estes assuntos, representando os menores e por isso acciona muitas vezes, após a existência de uma acção de alimentos, o pai faltoso em acção executiva. Mas fatalmente, na sociedade portuguesa são muitos, são até legião, os pais faltosos que nada tem de seu e nada lhes pode ser executado, muitos deles porque ocultam efectivamente o que têm e muitos mais porque efectivamente nada tem para prestar alimentos desse modo regular. São pobres.
E porque são pobres, o Estado social - e muitíssimo bem, diga-se de passagem e para contrariar o liberalismo ambiente- no final dos anos noventa instituiu um Fundo de Garantia de Alimentos que se substitui ao pai faltoso e paga em vez dele o que este deveria pagar. Mas tal tem de ser obrigatoriamente fixado pelo tribunal, diga-se, através de uma sentença judicial.

E aqui surgiu outro problema jurídico como só os juristas sabem descobrir: segundo as leis de processo e a interpretação particular de alguns juízes, sufragados em 2009 pelo próprio STJ, essas pensões pagas a esse título pelo FGAlimentos, ou seja pelo Estado, só poderiam ser pagas  após a respectiva sentença, constituindo-se apenas a partir daí a exigibilidade jurídica de pagament. Na da data do efectivo incumprimento pelo pai faltoso, e nem sequer da data de entrada da acção como muitos tribunais já decidiam...tendo em conta que muitas acções destas podem demorar meses por causa de relatórios e mais relatórios da Segurança Social e não só.

Durante todo o tempo que mediou entre 1998 e 2009, mais de dez anos, as decisões dos tribunais cíveis divergiam entre o entendimento do senso comum, óbvio,  e o estritamente jurídico e formal, corrente e prevalecente, com óbvio prejuízo para os mais necessitados, os menores carenciados e alguns em situação dramática de pobreza extrema.

Depois de alguns anos de discussão jurídica, praticamente desde 1998, altura da lei do FGA, o tribunal Coonstitucional vem dizer o que o senso comum já diria, mas o senso jurídico contraria muitas vezes: a pensão a pagar pelo Fundo é devida desde a data do incumprimento.

É uma vitória do senso comum, contra o senso do homo  juridicus ( melhor diria mulier juridicus porque uma boa parte dos juizes do cível já são mulheres) que por vezes olha para a lei como quem olha para um esquema de palavras cruzadas. E nem se apercebe do que está em jogo...ou o atavismo que os consome já é de tal ordem que lhes tolhe essa sensibilidade primária.
Mas há outros jogos jurídicos com a lei que temos. E a questão dá pano para mangas de alpaca e interpretações jurídicas que bradam aos céus pela injustiça que representam.
Veja-se por exemplo esta.
E para melhor compreensão do problema exposto, esta.  E principalmente esta. E repare-se no senso comum desta, mesmo considerando que os alimentos não são devidos desde a data do incumprimemto. Entende que são devidos desde a data da propositura da acção mas o FGA só pagará desde a data da sentença...abrangendo por isso as prestações vencidas.
A este propósito há decisões para todos os gostos e feitos, segundo o princípio de ditado popular que "a cada cabeça sua sentença". E é disto que se fazem os tribunais. E é por isso que a Justiça está desacreditada, porque as pessoas não entendem a diversidade de entendimentos jurídicos em matérias deste tipo. E com um tempo de Justiça que se mede em longos meses ou anos a fio. O processo da pequena Esmeralda, é bom lembrar, esteve dois anos em cima da mesa de um juiz do Constitucional para uma decisão... e nada a conteceu de opróbrio ou recriminação pelos pares.

Leia-se esta argumentação para se entender como são espinhoso e sinuosos os caminhos jurídicos para alguns juízes de Relação.
Poderíamos sempre dizer que a lei e o respectivo regulamento estão mal feitas, são do tempo do engº Guterres e quem as fez,  trabalhou com os papéis em cima do joelho. Tudo isso será plausível. O que não é admissível é a insensibilidade social durante uma década, deixando aos juízes o papel de intérpretes do senso comum.
Não são, geralmente,  e o legislador já o devia saber muito bem. Felizmente o tribunal Constitucional veio desautorizar o STJ e tornar-se necessário como instância jucidial suprema. É assim que deve ser e vergonha para o STJ e os autores do acórdão ( não sei quem são porque não quis ir ver...). 

PS: A notícia do Público é relatada por Arnaldo Mesquita. Espero que esteja bem relatada quanto aos fundamentos do acórdão. Se não estiver virei aqui dar conta.

2 comentários:

  1. «melhor diria mulier juridicus»

    ahahahha

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  2. A mim como leigo em matérias Jurídicas causa-me espécie que não haja neste país quem seja capaz de formular Leis insuscetíveis de várias interpretações.
    Se estas Leis emanam da AR então podemos afirmar que os "gajos" estão lá só para mamar...

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