quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O presidente do STJ, como JIC, passou-se

Esta vai integral e é tirada do Sol:

Em despacho de hoje, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça manda o Tribunal Central de Instrução Criminal proceder à «destruição imediata» das escutas telefónicas do processo Face Oculta que envolvem José Sócrates, conforme já ordenara antes, ou, em alternativa, que estas lhe sejam entregues para ele próprio as destruir. E remata: «Quando Inês é morta nada a pode ressuscitar».
O despacho surge em resposta aos requerimentos que contestam a destruição das escutas que ainda existem, das conversas entre o primeiro-ministro e Armando Vara.
Noronha critica todos os intervenientes, incluindo o arguido Paulo Penedos, os jornalistas que são assistentes no processo, os magistrados de Aveiro, o juiz Carlos Alexandre que tem em mãos a instrução do processo Face Oculta e que decidiu manter as escutas intactas até os arguidos e assistentes poderem recorrer da ordem de destruição, respeitando o princípio do contraditório. E até o professor de Direito Penal José Costa Andrade, que recentemente, num estudo jurídico, considerou ilegal a forma como o presidente do STJ e o procurador-geral da República trataram as escutas e todo este caso.
Ameaça de processo disciplinar a juiz
Noronha Nascimento começa por rebater a crítica de não ter ordenado que os seus despachos que mandam destruir as escutas fossem notificados aos arguidos e assistentes do processo Face Oculta: «Não ordenámos a notificação de ninguém porque ninguém tinha que ser notificado, atenta a irrelevância dos conteúdos» (das escutas). Na sua opinião, o princípio do contraditório invocado pelo juiz Carlos Alexandre não existe aqui e diz mesmo que este magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIAC) violou «as regras de competência material de juízes».
E, invadindo a esfera de actuação exclusiva do presidente do STJ, os despachos que deu são «nulos» -- ou seja, é como se não existissem. Isto porque «a competência para validar ou não as escutas em que intervenham o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro pertence exclusivamente ao presidente do STJ».
E lembra a Carlos Alexandre: «Há hierarquia entre tribunais porque é sobre ela que assenta o sistema de recursos, daí que o não cumprimento por tribunal inferior da decisão proferida em recurso dê origem a procedimento disciplinar do juiz que não cumpre».

Actuação de magistrados de Aveiro posta em causa
Noronha Nascimento volta a lembrar como recebeu as escutas em causa, «às pinguinhas» e lança dúvidas sobre por que tal terá acontecido e a conduta do juiz de instrução e dos magistrados do Ministério Público de Aveiro, onde decorreu o inquérito do Face Oculta. «Neste processo, o presidente do STJ recebeu - desde 5/Agosto/2009 e até finais de Novembro/2010, ou seja, no espaço de quase um ano e 4 meses - seis tranches de escutas (repito, seis tranches de escutas) num trajecto curioso de envio às pinguinhas de escutas que se situavam, no entanto, no mesmo período temporal; algo que, só por si,, coloca problemas e perguntas óbvias que qualquer mente humana levantará, nomeadamente em termos investigatórios».
O presidente do STJ explica ainda por que devem as escutas em causa ser destruídas sem que arguidos e assistentes do Face Oculta tenham nada que ver com isso: elas  «são manifestamente estranhas ao processo».

Só há 'três soluções' ou então muitos problemas para todos
Para desfazer o impasse em que as escutas estão, Noronha conclui: «Só vemos três soluções possíveis. Ou as escutas são destruídas no TCIC; ou, se o senhor juiz do TCIC tem pruridos jurídicos nessa solução, devolve-as ao STJ para serem aqui destruídas; ou, se considerar que a notificação que ordenou é legal e que o despacho do presidente do STJ é ilegal, deve dar conhecimento imediato das escutas aos interessados».
Isto, justifica, porque o que Carlos Alexandre fez «foi algo de totalmente diferente: manteve (as escutas) no limbo do perfume do amor proibido , perpetuando-as vivas no âmbito de um despacho nulo, mas não as deixou ser acedidas pelos interessados como se duvidasse da validade do seu próprio despacho».
Noronha diz ainda que discorda «frontalmente da interpretação» que Costa Andrade fez das normas legais sobre as escutas do primeiro-ministro.
E, acrescenta, se os intervenientes processuais tiverem acesso às escutas, «não é preciso ser vidente para prever um futuro e autêntico case study da jurisprudência portuguesa». E explica: «Admitamos que as escutas são publicadas e façamos um ligeiro exercício teórico. Muito provavelmente o Estado será condenado, só falta saber quantas acções serão pessoalmente propostas, pois estamos manifestamente perante um caso de responsabilidade civil extra-contratual do Estado» - ou seja, com os envolvidos a terem direito a reclamar uma indemnização pesada.
E prossegue o presidente do Supremo: «E os assistentes jornalistas que, usando a qualidade de intervenientes processuais, publicaram ou facilitaram a publicação das mesmas? Não estaremos aqui numa co-autoria material com responsabilidade solidária? (.) E as empresas jornalísticas não poderão estar numa situação similar por violação da intimidade e privacidade?». «Daí que esperemos para ver o que dará o study case que nos poderá surgir», remata Noronha Nascimento.

'Não nos deixamos intimidar'
«Confirmando-se que o presidente do STJ de Portugal não deixa que nada do que faz possa ser sindicado, só há uma alternativa: é queixarmo-nos ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem» - disse ao SOL Ricardo Sá Fernandes, advogado de Paulo Penedos, que ontem foi notificado do despacho. «Este despacho tem uma natureza intimidatória, para mim e terceiros, mas eu não me deixo intimidar», conclui.
paula.azevedo@sol.pt
felicia.cabrita@sol.pt

A questão agora é só uma: vamos ver quem bebeu a cicuta. Vamos ver o que dizem os juristas e vamos ver se há juízes em Berlim, perdão, em Portugal. Quero referir-me aos colegas do STJ do presidente do dito que obviamente não podem concordar com este chorrilho do presidente do dito mas estão calados. Estão sempre calados quando numa questão destas, não deviam estar.

Isto é simplesmente o Rubicão do poder judicial e Noronha Nascimento passou-o. Aliás, passou-se.  O seu despacho não tem pés nem cabeça jurídica e o que o processo em que interveio significa tem de ser analisados pelos cidadãos em nome de quem aplica a justiça, para se saber como é possível ter feito o que fez, no Verão de 2009. Em vez de ameaçar juízes de primeira instância com procedimentos disciplinares deveria antes explicar como é que fez o que fez. E já tarda.
Quanto a mim, a única coisa que Noronha Nascimento devia ter feito quando recebeu o expediente avulso do PGR, sem classificação processual e que não era obviamente uma qualquer "extensão procedimental" de coisa alguma ( aliás só muito depois disso, o presidente do STJ descobriu tal figura peregrina nos anais do direito processual), era muito simplesmente declarar-se incompetente para despachar num processo administrativo. E não o fez. Pediu, segundo se julga saber e foi divulgado, ajuda a um ou outro colega e despachou. Mal, segundo Costa Andrade, o maior especialista português nesta matéria e não há muitos mais.  Não é certamente Germano Marques da Silva quem tem obra escrita sobre o assunto e em Portugal apenas Costa Andrade, como catedrático de Direito Penal a tem. E mais ninguém. Estranha-se é que Noronha Nascimento discorde de Costa Andrade. e nem se dê ao cuidado de explicar porquê, desmontando juridicamente a teoria que o mesmo defende há vários anos e não apenas desde 2009.

Mais ainda: se Noronha Nascimento discorda frontalmente da interpretação de Costa Andrade deve apresentar a sua e que convença as pessoas da bondade jurídica da mesma. Não adianta nada é andar com argumentos baculíneos a citar jurisprudência finlandesa (!!!) ainda por cima truncada e que diz precisamente o oposto do que pretende, segundo se pode também interpretar.

Uma coisa avulta nisto tudo: Noronha Nascimento parece não andar bem. E será preciso averiguar se tal ocorre, porque um presidente do STJ não pode dar-se a estes papéis.
Isto é simplesmente o descrédito do nosso Estado de Direito e inadmissível em figuras como o presidente do STJ:

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